sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Nossa surdez nos faz vítimas de desastres lastimáveis


Leonardo Boff
Ver e ouvir a natureza, e não só vê-la, como é nosso hábito
Agora que chegaram chuvas, inundações, temporais, furacões e deslizamentos, temos que reaprender a escutar a natureza. Nossa cultura ocidental, de vertente grega, está assentada sobre o ver. Não é sem razão que a categoria central - ideia ("eidos" em grego) - significa visão. A televisão é sua expressão maior. Temos desenvolvido até os últimos limites a nossa visão. Penetramos com os telescópios de grande potência a profundidade do universo para ver as galáxias mais distantes. Descemos às derradeiras partículas elementares e ao mistério íntimo da vida. O olhar é tudo para nós. Mas devemos tomar consciência de que esse é o modo de ser do homem ocidental, e não de todos.

Outras culturas, como as andinas (dos quéchuas, dos aimaras e outras), se estruturam ao redor do ouvir. Logicamente eles também veem. Mas sua singularidade é escutar as mensagens daquilo que veem. O camponês boliviano me diz: "Eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz". Falando com um xamã, ele testemunha: "Eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando". Tudo fala: as estrelas, o Sol, a Lua, as montanhas, os lagos, os vales, as nuvens, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar essas vozes. Livros não são importantes para eles, porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram nessa escuta, que sabem, ao ouvirem, o que vai ocorrer na natureza.

Isso me faz lembrar uma antiga tradição teológica de santo Agostinho, sistematizada por são Boaventura, na Idade Média: a revelação divina primeira é a voz da natureza, o verdadeiro livro falante de Deus. Pelo fato de termos perdido a capacidade de ouvir, Deus, por piedade, nos deu um segundo livro, que é a Bíblia, para que, escutando seus conteúdos, pudéssemos ouvir novamente o que a natureza nos diz.

Quando Pizarro, em 1532, mediante uma cilada, aprisionou o chefe inca Atahualpa, ordenou ao frade dominicano Vicente Valverde que lhe lesse um texto em latim pelo qual devia se deixar batizar e se submeter aos soberanos espanhóis, pois o papa assim o dispusera. Caso contrário, poderiam ser escravizados. O inca lhe perguntou de onde vinha essa autoridade. Valverde entregou-lhe a Bíblia. Atahaualpa pegou-a e colocou-a ao ouvido. Como não tivesse escutado nada, jogou a Bíblia ao chão. A escuta era tudo para Atahualpa. A Bíblia não falava nada.

Para a cultura andina, tudo se estrutura dentro de uma teia de relações vivas, carregadas de sentido. Percebem o fio que tudo penetra, unifica e dá significado. Nós, ocidentais, vemos as árvores, mas não percebemos a floresta. As coisas estão isoladas umas das outras. São mudas. A fala é só nossa. Captamos as coisas fora do conjunto das relações. Por isso nossa linguagem é formal e fria. Nela temos elaborado nossas filosofias, teologias, doutrinas, ciências, dogmas. É o nosso jeito de sentir o mundo.

Os andinos nos ajudam a relativizar nosso pretenso "universalismo". Podemos expressar as mensagens por outras formas relacionais e includentes, e não por aquelas objetivísticas e mudas a que estamos acostumados. Eles nos desafiam a escutar as mensagens que nos vêm de todos os lados.

Devemos escutar o que as nuvens, as florestas, os rios, as encostas, as rochas nos advertem. As ciências da natureza nos ajudam nessa escuta. Mas não é nosso hábito cultural captar as advertências do que vemos. Nossa surdez nos faz vítimas de desastres lastimáveis. Só dominamos a natureza escutando o que ela nos quer ensinar. A surdez nos dará amargas lições.

Nenhum comentário:

Postar um comentário